Um Novo Tipo de Cadeia de Suprimentos: a Cadeia de Suprimentos Solidária
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo mostrar aos leitores um novo tipo de cadeia de suprimentos: a cadeia de suprimentos solidária. Esta é baseada nos pressupostos da economia solidária e, ao analisarmos os conceitos sobre a economia solidária, poderemos traçar um perfil mais detalhado do que é e o que representa para as pessoas, as empresas e o meio ambiente a cadeia de suprimentos solidária, avaliando seus impactos, especialmente aqueles que têm um reflexo mais positivo para a sociedade em geral. Além disso, será apresentado o exemplo de uma empresa que utiliza esse tipo de cadeia de suprimentos, realizando a coleta e a seleção de recicláveis.
Palavras chave: cadeia de suprimentos solidária, economia solidária, coleta e seleção de recicláveis, impactos positivos.
Introdução
O gerenciamento da cadeia de suprimentos definitivamente se consolidou como prática empresarial e disciplina acadêmica. Ao longo de duas décadas, seu desenvolvimento propiciou o surgimento de modelos especializados de gestão em função de alguma particularidade apresentada pela cadeia de suprimentos, seja esta particularidade relacionada a aspectos estratégicos do produto ou de mercado, ou seja, relacionada a alguma característica da própria forma de organização da cadeia de suprimentos.
Apresentaremos aqui um exemplo de cadeia de suprimentos solidária baseada, principalmente, nos conceitos de cooperação e colaboração, típicos da economia solidária.
Origem da Cadeia de Suprimentos
A cadeia de suprimentos tem origem a partir do desenvolvimento da logística empresarial que, por sua vez, evoluiu de diferentes áreas da produção, transportes e movimentação de material, que convergiram para cunhar o conceito de cadeia de suprimentos. Nesta perspectiva, a apresentação do conceito de logística empresarial se faz necessária para uma melhor compreensão do conceito de cadeia de suprimentos.
Segundo a CSCMP -- Counsil of Supply Chain Management Professional—(CSCMP, 2009):
“Logística empresarial é a parte da cadeia de suprimentos que planeja, implementa e controla, de modo eficiente e eficaz, o fluxo direto e reverso e a armazenagem de bens, serviços e informações relativas desde o ponto de origem até o ponto de consumo de modo a atender os requisitos dos clientes”.
Com o avanço da logística empresarial surge, pois, o advento da cadeia de suprimentos que traz um novo modelo de negócio, buscando a máxima da eficiência logística ao longo das empresas envolvidas no fornecimento do produto, expandindo as operações logísticas e as decisões de modo a envolver todos os elos participantes, de tal maneira que os produtos ou serviços cheguem às mãos do consumidor final ao menor custo e com níveis de serviços elevados.
Cadeias de Suprimentos Especializadas
Nessa parte, iremos explicar dois tipos específicos de cadeias de suprimentos especializadas: a cadeia de suprimentos verde e sustentável bem como a cadeia de suprimentos solidária.
De acordo com Darnall et al. (2008) as cadeias de suprimentos verdes são cadeias de suprimentos que exigem das empresas constituintes a avaliação de seu desempenho ambiental e obrigam os fornecedores a adotarem medidas que garantam a qualidade ambiental de seus produtos e avaliar o custo dos resíduos de seus processos produtivos.
Antes, entretanto, de explicarmos o que é a cadeia de suprimentos solidária, introduziremos os conceitos e os pressupostos da economia solidária, relevantes e importantíssimos para a formação desse exemplo de cadeia especializada.
A economia solidária, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (2010), é um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver. Sem explorar os outros, sem querer levar vantagem, sem destruir o ambiente. Cooperando, fortalecendo o grupo, cada um pensando no bem de todos e no próprio bem. Além disso, a economia solidária baseia-se nos seguintes princípios fundamentais:
- · Cooperação: existência de interesses e objetivos comuns, união dos esforços e capacidades, propriedade coletiva parcial ou total de bens, partilha dos resultados e responsabilidade solidária diante das dificuldades.
- · Autogestão: exercício de práticas participativas de autogestão nos processos de trabalho, nas definições estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, na direção e coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses.
- · Dimensão Econômica: agregação de esforços, recursos e conhecimentos para viabilizar as iniciativas coletivas de produção, prestação de serviços, beneficiamento, crédito, comercialização e consumo.
- · Solidariedade: preocupação permanente com a justa distribuição dos resultados e a melhoria das condições de vida dos participantes. Comprometimento com o meio ambiente saudável e com a comunidade, com movimentos emancipatórios e com o bem estar de trabalhadoras e consumidoras.
O Atlas da Economia Solidária do Brasil (2005) identificou 14.954 empreendimentos econômicos solidários (EES) em 2.274 municípios do país, o que representa uma taxa de 41%. Há uma maior concentração dos EES na região Nordeste, com 44%; 13% na região Norte; 14% na região Sudeste; 12% na região Centro-Oeste e 17% na região Sul.
Definição da Cadeia de Suprimentos Solidária
Partindo do pressuposto que se faz necessário postular um novo modelo de gestão de cadeias de suprimentos para atender os EES que se configuram como cadeias de suprimentos, iremos criar aqui o conceito de cadeia de suprimentos solidária.
Utilizando o conceito de cadeia de suprimentos dada por Christopher (2009) e adaptando-a para contemplar as características da economia solidária, é proposta a seguinte definição de cadeia de suprimentos solidária:
“uma rede de organizações conectadas e interdependentes, com a presença de organizações autogestionadas, trabalhando conjuntamente, em regime de solidariedade e cooperação mútua, para controlar, gerenciar e aperfeiçoar o fluxo de matérias-primas e informações dos fornecedores para os clientes finais com o propósito de viabilizar iniciativas coletivas e da geração de emprego e renda”
Esta definição exige a presença de uma organização autogestionada, porém, não é necessário que todas as organizações que compõem a cadeia de suprimentos solidária sejam autogestionadas, pois, na maioria dos casos, as cadeias de suprimentos solidárias compram de fornecedores tradicionais e buscam canais de distribuição tradicionais.
O regime da solidariedade é outro pressuposto da economia solidária que se faz presente nesta cadeia de suprimentos, porém, a solidariedade pode se apresentar somente em alguns elos desta cadeia visto que em algum ponto da cadeia de suprimentos solidária a prática comercial ocorrerá da forma tradicional e o regime de solidariedade desaparecerá. Isto poderá ocorrer na compra de matéria- prima de fornecedores tradicionais ou quando o produto for adquirido pelo consumidor final já que esse não irá querer comprar algo por solidariedade se tal produto não atender às suas necessidades básicas.
Finalmente, a cadeia de suprimentos solidária tem objetivos simultâneos, como o atendimento das necessidades do consumidor (para se manter competitivo) e ainda viabilizar as iniciativas coletivas e a geração do trabalho e renda (pressupostos da economia solidária).
A seguir é apresentado um exemplo de cadeia de suprimentos solidária que reúne estes princípios e ilustra este novo modelo de gestão da cadeia de suprimentos.
Um Exemplo de Cadeia de Suprimentos Solidária
Iremos apresentar a seguir um exemplo de cadeia de suprimentos solidária formado pelas cooperativas populares de coleta e seleção de recicláveis incubadas pelo Centro de Referência em Cooperativismo e Associativismo (CRCA) na Região Metropolitana de Campinas.
O CRCA foi fundado em 2002, como decorrência do trabalho desenvolvido pela Cáritas Arquidiocesana de Campinas com o programa “Luxo do Lixo” que incentivava a criação de cooperativas de coleta e manuseio de materiais recicláveis. Devido às dificuldades encontradas pelos cooperados em gerenciar seu empreendimento econômico em função da baixa escolaridade e qualificação profissional destes trabalhadores, foi criado então o CRCA.
Atualmente, o CRCA incumba e assessora oito cooperativas de coleta e seleção de recicláveis, sendo que sete destas estão localizadas em Campinas e uma em Valinhos, SP. Juntas, reúnem cerca de 150 cooperados. Os primeiros seis anos de existência do CRCA foram marcados por intensos esforços no sentido de assegurar às cooperativas populares condições dignas e mínimas para o trabalho. São frutos, pois, destes esforços:
- · A posse dos terrenos onde funcionam as cooperativas populares;
- · A elaboração de estatutos, conselhos gestores e demais obrigações para formalizar a situação como sociedade cooperativa devidamente registrada e autorizada a funcionar;
- · A existência de registros para controlar o volume de entrada e saída de materiais e das horas trabalhadas por cada cooperado de modo a efetuar o rateio das divisas obtidas;
- · O recolhimento de impostos, em especial a previdência social;
- · A melhoria da infra-estrutura, retirando-os de lixões e barracas para galpões de alvenaria com refeitório, sanitários, escritório, prensas e mesas de separação;
- · A formação de parcerias com empresas públicas e privadas, com o departamento de limpeza urbana e outras organizações de modo a garantir volume e regularidade no recebimento de materiais, eliminando a figura do “catador de lixo” das ruas.
Todos esses esforços resultaram num incremento da capacidade de produção das cooperativas, atingindo grande volume e regularidade de produção. Porém, as oito cooperativas atendidas pelo CRCA atuavam independentemente, recebendo sua cota de material proveniente da empresa de limpeza urbana e os separavam e vendiam de modo independente das demais cooperativas, mesmo sendo todas encubadas pelo CRCA.
À medida que as cooperativas aumentavam sua capacidade de produção, aumentavam também suas receitas. Isto permitiu um aumento na renda dos cooperados e, sobretudo, que fossem feitos investimentos na infra-estrutura das cooperativas. Em 2007, foram comprados dois caminhões utilizando recursos de todas as cooperativas. Tais caminhões são utilizados de forma compartilhada por todos os cooperados e –exatamente- esse compartilhamento foi um dos elementos que ajudaram as cooperativas a evoluírem para uma cadeia de suprimentos.
Outro elemento fundamental para constituir a cadeia de suprimentos solidária foi a criação da Reciclamp. Esta é uma cooperativa que tem a função de consolidar a produção e fazer a venda conjunta dos produtos. Dentro desse contexto, vemos que a prática diária de coleta de material nas fontes de suprimento revela os atributos de cooperação e solidariedade que devem estar presentes para configurar uma cadeia de suprimentos solidária. A solidariedade se manifesta na iniciativa das empresas em doarem seus materiais recicláveis às cooperativas e o regime de cooperação se manifesta no uso compartilhado dos veículos que fazem a coleta e também na decisão de qual cooperativa irá receber o material em função dos níveis de estoque, priorizando a cooperativa com o menor estoque de material.
Com a Reciclamp surgiram questões que são comuns às cadeias de suprimentos, como o efeito da incerteza na previsão das vendas, a gestão conjunta dos estoques e planejamento colaborativo da produção e coleta de material. Através da Reciclamp, os conceitos de colaboração e coordenação na gestão atingiram o ápice nas cooperativas.
Verificamos , portanto, que – em relação ao fluxo de informações e decisão- este é um exemplo de cadeia de suprimentos centralizada, sendo a Reciclamp o elo centralizador das informações e tomador das decisões de produção e coleta. Também é possível caracterizar essa cadeia de suprimentos solidária como uma cadeia de suprimentos verde e sustentável, já que contribuem significativamente para a redução dos resíduos sólidos nos centros urbanos.
Conclusões
Podemos observar, em resumo, que na cadeia de suprimentos solidária é muito importante que o fluxo de matérias-primas e informações sejam passados dos fornecedores para os clientes de forma a viabilizar iniciativas coletivas, buscando ainda implementar os conceitos de colaboração, cooperação e solidariedade, típicos da economia solidária.
Cabe ressaltar também que a cadeia de suprimentos solidária, além de garantir uma maior participação das pessoas no processo decisório e de ocorrer a distribuição parcial ou total de bens, ela traz consigo ideais da cadeia de suprimentos verde, principalmente a preocupação com o meio ambiente. Isso é bastante relevante para os dias atuais em vista dos problemas de poluição causados por algumas pessoas. Essa preocupação das cadeias de suprimentos verde e solidária busca atenuar essa realidade e, conseqüentemente, melhorar a vida da fauna e flora e junto da sociedade em geral.
Em relação às cooperativas populares, ficou bastante evidente os desafios enfrentados por seus idealizadores. Apesar disso, eles conseguiram se organizar como uma cadeia de suprimentos solidária, e implementaram os pressupostos da economia solidária aumentando, pois, sua eficiência operacional, sua capacidade de produção e ainda contribuíram para o princípio fundamental da geração de trabalho e renda dos empreendimentos econômicos solidários.
Referência
Página na internet:
http://www.simpoi.fgvsp.br/arquivo/2011/artigos/E2011_T00335_PCN36558.pdf